segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Guaicurus

Uma ratazana
devora os sonhos
avançando
sobre os corpos
deitados nas camas
da vileza,
como natimortos.

Mulheres sem nome
se deitam nas
ratoeiras
onde o desdouro
as consome.

Delirando
um futuro
que já foi traçado,
que, como todos os pecados,
repete-se num passado.

A sujeira, tão amada
há de assentar-se
sob nossos tetos
insalubres,
onde vendemos
nossas filhas,
onde crescemos
em família.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Valium

I

Senhor, faça me a gentileza:
Me dê na veia,
onde há sangue,
nesse corpo ávido,
um lenitivo
para a tormenta,
que se aprofunda
no espírito.

E caso não seja possível,
pode ser Valium,
pra matar de vez a sede,
me tornar estéril
e cavar em mim,
a sepultura,
pra enterrar o que sou.

II

Fui um indivíduo inventivo,
quis ser homem de convicções,
mas, foi mesmo no abismo,
que dei os passos altivos.

Compartilhei os nossos vícios
execrei as virtudes mais sublimes
não pensei nas atitudes
por trás de todos os meus crimes.

A poesia me impediu
de ter escrúpulos na vida.
pois tudo doía de forma vil,
quis matar minha essência.

Hoje, o valium, me resignou
sou um homem gentil
apascentei as minhas sendas
já não há porque seguí-las.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Estou farto! eu me calo.
pois sempre, quando falo,
tudo me parece enfado.
Agastado, Importunado,
Aborrecido, Irritado.
Sinonímias da condição,
constintuinte, de quem morre
morosamente, sem lenitivos.

Tomando o soma das aparências,
sofrendo todas as violências.
Com rebeldia, impraticada,
rastejamos pelas calçadas.

Dessa Sodoma, reinventada,
Dessa Gomorra, tecnológica.
Só sobrarão os covardes,
que, como eu, já não estão.

As memórias da desordem
as vivências da revolta
os desejos dos famintos
vão ser o obituário,
desse mundo, que se chama:
Prisão.
Construímos o presente
na opressão,
no descaso,
no frenesi.

Escrevemos nosso nome
com o sangue
que se coagula
na ferida,
que não cura.

Mas, daqui pra frente

Comeremos o ventre,
das madonas,
como abutres
religiosos.

Ganiremos ao luar
como lobos,
insaciáveis,
desvairados.

E então:

Destronaremos
as tradições
as maldições
que nos tornam
incapazes de ver
que só tem sentido
viver a luta
que vai de frente,
de braços dados,
pelas ruas.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Fuga

Só fugi duas vezes na minha vida
Uma quando nasci
E outra quando vivi
E tive que viver
Mesmo assim
Baloiçando
De um extremo ao outro
Com medo da queda
E da subida
Não entrando
Pra não ver saída
Desconhecendo
A despedida
Das relações
Não cometidas.
Cheguei longe
Pra não estar perto
Mas, de surpresa
Fui descoberto
Mais uma farsa
De peito aberto.

Um homem de gravata contra os homens de amor.

Quando vi,
nos dois primeiros minutos
de um dia acinzentado,
um homem de gravata
me dizendo:
- Privatize-se!
- Desocupe os teus sentimentos!
Foi com um nó na garganta que pensei:
- Que tipo de sugestão é essa?
- Não há, como se fazer tal coisa, há?!
-Jamais poderia,
jamais poderíamos!
não se perde a única coisa
que se tem.
Mesmo que massacrada
só há vida humana,
onde há subjetividade,
só há vida humana
onde há amor.
E não existe outra forma,
o amor é objetivo.
Se propaga, consequente,
e quer colocar flores nas gravatas,
e salvar da barbárie,
a flor dos homens.
Nem que seja com sangue,
nem que seja de lágrima,
há de se promover o resgate,
da humanidade.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Digestão

Arrancou-me as vísceras
e deixou-as totalmente expostas
deixou escorrer o meu sangue
nas ladeiras tortuosas
misturando-se à cerveja
nas libidinosas noites.

Tombado feito espantalho
cabeça ao peito
braços em haste
fui crucificado.

Da ultima chaga
só lágrimas,
lágrimas doces,
por ter amado,
néscio.

Comi as pedras
digeri o desengano
suguei o veneno
dos veios, das covas.

chamei de meus
todos os planos,
de ser nobre
de ser vil
de suceder
de fracassar
de amar
de perdoar.

E aprendi:o contrário do amor é o perdão!
e todos os homens, sem seus contrários,
não são mais que vacuidades.
tudo que se é, constitui-se na alteridade
e pra alteridade o necessário
é enxergar teu rosto, no espelho do passado.

Criação

Quando me perguntam:
Crês na criação?
Respondo logo que sim.
E como poderia crer que não?

Com tantas indústrias,
fumaça que entope os pulmões,
jagunços corporativos
chicotes modernizados.
Maçãs pecaminosas,
cruzes virtuais.

O homem cria a fundo!
é espetacular o que fez
do mundo, sua imagem
e dessemelhança.
Trabalho mais criativo?
Impossível!

Pois é fácil, ver Deus,
todo dia às sete
tomando aquele café
corrido, torcendo,
pelo atraso do bonde
e pela chegada da regra.

Porque filho é só
parecença, e ninguém quer
igualdade.

Quer mesmo ser
criador da criatividade.
Toda a obra,
é apenas,
metade.

Mas o capital,
é quem sabe se pôr
e cria duas vezes
dez mil Deuses,
e não tem tempo
pro sol se opôr,
a não ser que seja:
no fundo da tela
de um computador.