sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Ponderações

O que poderia querer
para além de ser humano?
Poderia querer ver
como uma águia, mas imagino-me tal como.
Talvez quisesse ser líquido,
mas posso ser chuva
quando o nosso tempo está seco.
Poderia querer ser tempo,
mas me contento,
sou o presente.
Quereria ser, talvez,
a representação que de mim fazem os outros,
porém, fico feliz, também eu, em desumanizá-los.
Deveria ser criança, mas já, agora, não há infância.
Me perdi,
ficarei por ser assim.

Futuro

Como saber do porvir se tão pouco dele está aqui
Se somos tantos e tão poucos? Com a selvageria de nossos rostos
Conseguiremos fazer sorrir a esse presente já passados
Cada tijolo desses nossos muros por construir?

Com que miríade de loucuras chegaremos lá?
Queremos tanto, mas sem olhar
Sabemos daqueles dias em que toda a distância
Se fará dessa infância.

Todo o pesar e todo contentamento se farão nobres
A caminhada se faz junto aos espíritos pobres
Ou não? Sabemos que o agora nem é pouco nem muito

Já não tenho certeza do que tenho nas mãos
Mas sei que tenho, e tenho a terra dos meus próprios chãos.
Com que presente chegarei a ser futuro?

Em excesso

Sofro de excesso de excessos, não sou exceção!

Paulo

Paulo,
não esqueci
da poesia
e
nem
da dor
continuo
caminhando
de lado.

Para alguém que me entenda

Me espere só um segundo,
Só pra ver como dói a sinceridade,
E como é verdadeiro aquele olhar que te dirigi.
Como pode ser perfeito o ideal,
Ideal de dor que persegue a nós dois, moça.

Queria ter coragem para lhe mostrar esse seu mundo,
Mundo de fugas, de aparências cultivadas.
Que queres tu, com a tua modernidade,
És, na verdade, menos contemporânea a cada dia
Bêbada como hoje, mas conformada como ontem.

Pensa um pouco mulher, como pode ser?
Queres guiar? Então, guia!
Mas pensas antes de me beijar, e,
Se calhar, morda-me o lábio até sangrar.

Desse modo saberei o que você realmente deseja.
Retira-me a sanidade de uma vez!
Bata-me na face, corta-me a garganta,
Por favor! Se não for assim, eu não aceito.

Deus-tino

O que achas que pode contra mim, meu senhor?
Não és tão grande quanto lhe atribuem os tolos,
Em nada és forte, teu culto já não existe em meu mundo
Queres deixar-me em maus lençóis mas, desconheces minha natureza
A fundo, és tão podre, se baseia apenas no infundável de minha vida
Sou imoral porque posso sê-lo, não me dizes nada sobre o que posso,

Sou surdo a seus esforços, não me puxe com o seu braço maldito.
No meu mundo não há musa e não há moira, entendes?
O meu mundo é dos homens factíveis, dos reais.
Dos viciados, dos imorais, esses são a minha imagem e semelhança.
Não é você que só não morre por não existir! Malditos sejamos nós!

Contraditórios em nossas preces
Somos seculares diante do divino
E divinos diante do secular.
Atenção!
Sejamos humanos!
Só isso deve ser respondido,
Diante de todas as perguntas
Afinal de contas, que mais nos resta.

Sou o que sou, amaldiçoado ou não.
E que me importam as maldições?
Todas frutos de perversões de nosso olhar
que faz o possível pra se desviar daquilo que é evidente.
Senhor destino, lhe reservo um beijo frio
O beijo daquele que sabe que nada mais é possível diante da sua figura.
Figura que já há muito não é pintada.

Rubros Olhos

Sábado às dez pras quatro da manhã
Só me resta a última dose da garrafa de conhaque
Uns vagos pensamentos sobre as coisas que deveria ter feito
Mas, em contrapartida, muito do rubro de seu cheiro.
A comoção me invade,
fico pensando no silêncio que nossas poucas palavras fizeram

Fico imaginando teus olhos que ainda brilham diante dos meus
Brilham raros, não são olhos que se dêem ao desfrute
E por vezes, se recusam, sublimes, a olhar.
Como poderia ser diferente, meu deus minúsculo?!
Isso me proporciona mais um gole de angústia.
O que devo esperar?

Não sei se fiz a mais ou a menos,
sei que fiz o que pude, e,
poder pouco é muito comum!
me desacostumei das palavras,
sentir me causou esterilidade verbal.
somente aos olhos e aos ouvidos cabem minha felicidade.
E se sinto é só por uma vontade que me escapa ao controle.

O problema,
É que,
Diante
Dessa face
Rubra,
Só me resta,
Abandonar
A razão.

Não poderia fazer nada além disso,
a vontade quer chegar à potencia.

Anaesthesis

The show must GO on
E eu nem sei pra onde vai, se é que vai
Mas é aí que vem a certeza do incerto
A justeza do incorreto, a ética da transgressão
É nesse ponto que bate a saudade
Dos tempos em que ser humano era descomplicado
Onde suas palavras só diziam o que diziam
E não havia hermenêutica capaz de subvertê-las
Mas, houve um tempo assim?

E eu nem sei como, se é que há jeito
Como poderia haver algo além de nós
O nós do agora. o do ontem? já não sei...
O do amanhã? eu duvido muito...
Porque haveria, também, de me preocupar com o amanhã?
Já me basta a incerteza do agora.
Turbilhão de sentimentos que nem parecem ser o que são
E talvez nem o sejam mesmo.
E que certeza é sensível?

Tenho andado confuso, perder o chão é fácil
O problema é ter que estar segurando os pavimentos
Essa construção que nem lógica tem!
Tenho nas mãos os sustentáculos de um conjunto vazio
Os julgamentos de um nobre, os hábitos de um burguês, as condições de um miserável.
Dá pra acreditar?!?!
Só poderia fazer algo que me dispensasse daquilo que pretende o mundo.
Nada, na verdade, era isso que eu gostaria de ter
Uma posição de observador, um deus nada poderoso
O sábio da vida comum, reprodutiva
Nada produtiva, sem métrica e sem lógica, como esse poema
Que eu nem sei se é poema, confissão, desabafo ou profissão de fé
Profissão de fé na descrença, só se for!

Queria poder rimar e dizer coisas belas, realmente interessantes, mas agora...
Agora ficarei mesmo é com essa anaesthesia
Geral! Dormência, desinteresse, desgosto, desdém...
Não quero nada além daquilo que não posso ter
Poema régio, José! de dores e ambigüidades
Vacilações sublimes, bipolaridade, tensão...

But, the show...
Fechem as cortinas, já é tempo!
Estou tão fragmentado hoje que deveria começar a andar por aí, me catando pelo chão.
Quem sabe no fim eu não encontro alguém?
Waiting for the worms or the wars. That’s all!

Mortuário

Se querem me matar, que o façam logo!
Não perguntem o modo, não me perscrutem
Não direi uma única palavra a respeito disso, de nada.

Não lhes darei dicas sobre a minha forma de minguar
Acabarei através da surpresa, pela criatividade de vocês
Sem saber que acabo ou que já não existo.

Não me farei morrer como imagino,
Minha mortalha está já reservada para todos visitarem
Descansarei como sempre, mas com um detalhe - será o descanso de um humano.

Saibam que mesmo sem encostar em mim
Entendo o que dizem, me encurralam em seus olhares
Me dão a força daquele que será reprovado sempre

Do rebelde, que não se curva diante de um amor insosso
De quem precisa de mais, de quem quer sempre ir além
Fazer-se junto, e mais, fazer-se homem.

Vocês podem até conseguir me enquadrar, me moralizar,
Fazer-me curvar, mas isso será uma morte, a morte que vocês não planejaram.
A minha morte, essa não é assim – é humana!

Me recuso terminantemente a cumprir regras,
Não firmarei acordos, não serei partidário de vocês,
Serei humano até o fim!
Cantigas de invencionices permeiam o meu peito
Este urra, retumba, ecoa, parindo sentimentos
que dançam ao som dessas canções
Minhas costelas vibram com cada nota
Eis que torno-me escrava desse parimento
intermitente, convulso, incontrolável.

Já não caibo mais em mim...
Também quero virar canção
viajar junto ao vento
sorrir em cada rodopio
florear entranhas
sussurrar poesia em cada esquina.

Michele de Assis

Deita

Deita-me à tua sombra mulher
Finge que por ao menos um mínimo instante fui teu

A verdade é que olhos ao olhar pra teu semblante
Viram apenas o que estava oculto,
se preocuparam tanto com as profundezas
que se esqueceram da superfície

Deixe-me descansar em teus braços,
Faz um esforço em pensar que assim permanecerei

Eu nunca te quis olhar como olhei,
Nunca te quis ver como vi, mas desnudo já desde tão cedo...
Não tive escolha, e hoje, agora
Não sou nada além de um já passou.

Deixe-me fingir-te a felicidade uma última vez,
A felicidade que nunca alçou vôo sobre a minha cabeça
A felicidade que por ser ave de rapina nunca se interessou
Na minha carne sempre a mostra, carne que já nasceu decomposta

Deixa eu te dar um último olhar,
aquele que persegui a minha vida inteira
o olhar despretensioso, de quem já chegou
de quem já cumpriu, de quem já gozou

depois disso, pode deitar-se à sua cova e,
então, fazer cumprir teu desejo, aquele
de sumir de minha memória, de sumir
com a minha memória, com a minha vontade de ti.

Pensamento Metafísico

Hoje sou dono da minha própria metafísica!
Mas e se não houver deus?
Vou ter que me candidatar...

Para Baudelaire

O rebelde não precisa de anjo que lhe force a amar o pobre, o aleijado, o leproso, pois ele já o faz naturalmente quando dirige seu olhar àqueles que se assemelham a ele. O rebelde é o aleijão desse mundo. Todos os outros são ímpios.

Entificação

O que queres meu filho
Está tudo aí!
Transforma-te no que tu és
Hoje és todas as coisas,
Mas está tudo em ti
Não precisa ser as coisas
E o que são as coisas?
Sem ser o que és não há coisas,
Nunca há.
Sirva-se de mim e de você
Não das coisas
Não és uma delas
Tome-me em teus braços
Quem precisa dessa parafernalha,
Quem precisa das coisas?
Essas tuas forcas, falsas forças
Não são teu ser e nem o meu.

O Noivo

Noivo de minha solidão espreito a um outro dia
Querendo ser mais do que ser, quero agonizar no gozo
O gozo da fortuna, do acaso, daquilo que ainda não é
Do que sou.

Gosto de ter entre os dedos a mais impura das águas
Aquela que desce dos céus de uma selva irrazoável, humana
Toda cidade me traz ao peito a angustia de minha solidão possível
Da minha companhia maculada, da TV que não assisto
Do que poderia ser aquele que não sou.

Quero saber da minha alma que anda perdida em meio às saias
Saias que pertencem às namoradas que não tive
E não tive por que não quis, nosso tempo foi adiado (pra sempre)
Adiado pela comoção de uma poesia vadia, sem rumo

Vago em desvarios, como se não fosse pra ser
Mas é, e por ser já merece as reverências
Todas prestadas por quem não conhece o que conheço
Pelo que há de vário em ser
E pelo que há de absoluto em não ser.

Se queres a verdade...

É com a verdade que tu sonhas menina?
É da verdade que tu dizes tais palavras?
Estás certa que não é de um sonho?
Não seria onírico o teu precioso mundo,
De verdade ocultada por uma sombra de transcendência
Onde os homens se freqüentam por serem simplesmente o que são,
E por nenhuma outra verdade mundana,
Por nenhum outro comércio de idéias?


É menina, eu já a algum tempo já não me faço outra coisa a não ser suicidar-me
Pela dor que, de ser homem se transforma em mercadoria
Por acaso seria do mesmo pão de que se alimentam lebre e lobo?
Por acaso seria o mesmo o papel do rei e do bobo?


Mas, é com infelicidade que digo,
Que há de existir sempre bobos
Que as lebres valerão menos que lobos,
E que homem há de sempre ser uma mercadoria,
Uma mercadoria metafisicamente simples.

Fado

De meu fado farsante
tal qual minha natureza enfadonha
Sonho com minha alma transfigurada em corpo
De subjetividade afinada
em minha fome de objetividade
Causo sentir em caos de palavra arrebatada
De paixão em eclipse
com revigorada mortificação
Faço de mim o feixe de lenha,
ardente inação.

Do cais mortuário
ao porto secular
De minha morte acesa
à luz de um grandiloqüente penar
Faço de minha mortalha
a vívida miríade do pensar
Julgar de mim mesmo,
passado e futuro
ao presente que não é
Ao mundano que se oculte
sob os lívidos fulgores de estar.