domingo, 8 de novembro de 2009

Willian-Adolphe Bouguereau

Madrugada

Mais uma madrugada em casa.
Mais uma dose de mim,
só pra tornar a coisa toda mais sinistra
Só pra dotar o peito daquele fervor, é ruim.

Mais uma garrafa de café que se vai
E com ela todos os cigarros do maço recém adquirido
Vou fumando, um atrás do outro,
Como se eles agregassem às coisas algum sentido.

Fico pensando em dias passados
Todo nostálgico, querendo rever a saudade
Querendo pensar que tudo ainda tem seu tempo.

Porém, a cada dia, cada sensação,
Não vejo nada além do irreversível de toda situação.
De toda a loucura em que me imiscuí
e onde me eximi de todo pecado de agir.


07/11/09

Sulfúrico

A cada dia que passa eu penso menos! É penoso ver como, agora, prostrado, desfaleço diante desse desagradável viver. Cotidiano é tudo aquilo que pesa sobre olhos cansados, falta é presença única em todos os momentos. Tudo se transfigura num desejo pálido, nada sensual, morbidez que leva a vida adiante. Sem mais, nem menos.
Hoje, nem o ópio consola, não há orientes. Horizontes perderam sua felicidade, ganharam verticalidade; poesia já foi feita, hoje tudo é análise. Não se pode mais perguntar os inocentes por quês, é melhor se resignar e comprar um já pronto.
Amar se torna tarefa impossível, tentação sofrida, violência mitigada por todo o aço. Aço que é invólucro de toda subjetividade, protetor de ouvidos contra qualquer palavra afável, do corpo contra todo gesto.
E já que, "num rosto vazio até um arranhão é um enfeite": escondo os arranhões cá dentro, bem fundo, para que não se observe nada nos vazios das minhas farsas ou faces.
Todos os pontos se tornaram incomuns, não há mais retas para ligá-los, acabaram-se. Ganhamos a cada passo uma fluidez sulfúrica, dolorida, e só quem sente é aquele natimorto, sentimental, convulsivo. Aquele que não coincide com sua imagem no espelho e que há muito já foi ultrapassado por sua sombra.

Quantos dias cinzentos a vida me reserva?
O incrível é que, talvez?, sejam todos eles sempre cinza. Afundados em sua objetividade malquista, num mundo de subjetividades idiossincráticas.

Testamento

Nesses poucos e curtos anos já recebi o meu pão
Em mãos afetivas aprendi a chorar
Senti que o mundo se encaminhava na solidão
Vi amigos partirem sem que os pudesse segurar

Queimei minhas mãos ao tentar apertar
Àqueles que por longo tempo julguei ter paixão
Amei a todos que vi caminhar
Por sendas ecuras em comunhão

E a cada imagem, cada sensação
Vi meu erro, o primeiro, se perpetuar
Quis mudar, colocar meus pés no chão

Fazer de minha vida um desvio do olhar
Tentar me livrar de cada sentimento vão
Mas não consegui deixar de amar,
Irmão.

...

Nada me desce
Todos são estranhos
Mas acontece
Que só em sonhos
A vida aquece a
Todos como somos...

Bêbado

Idéias divergentes sobre objetos parecidos
Objetivos próximos por caminhos esquecidos
Fados idênticos para ombros cansados
Ser humano não é fazer o mundo exato

Tragar cada cigarro como se a vida fosse
Faz sentir o mundo para além da tosse
Onde toda tolice tem seu lugar
Com a impertinência daquele que deixou de lutar

Oração

Mas, ah, se eu não vivesse essa loucura!
Meu deus que seria de mim sem essa boca seca?
Sem essa falta de sono e essa cerveja posta como um fardo?
Teria que rever as minhas vestes e andar preocupado.

Sou miserável apenas por pertencer a cada lado
Tenho tomado distâncias de um mundo
Que me pertence menos a cada segundo
E, sinceramente, todo minuto é enfado.

Tenho apenas a falta de meus vícios
Não há mais volta para eles e, pra mim
Já, desde muito não há, inícios.
Consumi o todo e o por fim

E, daqui, vejo o foda-se em tudo para nós.
Obrigado meu deus!
Por ter me dotado dessa profissão,
Descrença é o que tenho em cada pedaço de vós!

Se

Se não é nossa culpa, sinto muito, mas não sou um de nós.

Poesia?

Um amigo me pediu um dia
Para que fizesse um verso
Que ensinasse a fazer poesia
A verdade é que nunca fiz verso,
Nunca rimei. Não sei criar o que não se cria
Só sei ver o que detesto
E por pra fora o que me angustia.

Se for assim que se faz
Não quero ser poeta
Quero esquecer agora
Que já me escrevi um dia

Poeta é gente mais prosa
E eu só tenho as brincadeiras
Dum peito que ferve em tormenta
E nunca silencia.

Amaram

Amaram-se em pequenas palavras
Em poucos instantes se olharam
Ficaram suspensos em suspeição
Vibraram com a fuga de qualquer emoção

Quiseram até o ultimo instante
Olhar pra qualquer outro olho,
Ouvir qualquer outra tosse
Tocar qualquer outro corpo

Mas cederam sem perceber
Cederam à mais vaga possibilidade
A mais vaga possibilidade de se perder

Perderam-se então,
em olhares convulsivos,
em verdades que se fazem no chão

Urbanissimulador

Os carros me vem de encontro.
Fumaça, ruídos, motores, faróis, gente...
Peraí! Gente!?
Desconhecida gente interessada,
mas não em mim, claro!
e nem eu neles, óbvio!
Prefiro os carros...