sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Se fosse Deus, comeria as montanhas
Entornaria sua seiva num desvario
Na vontade de ver suas entranhas
Beberia todos os rios

Mostraria aos homens que não adiantam os santuários
De ouro negro, suor vermelho e sangue frio
Os faria ver que todas essas coisas me são alheias
Que os meus ídolos são sol, lua, calor e frio

E que não adianta chamar
Pois palavras não há pra alcançar
E que na vontade de encontrar

Não adianta se consternar,baixar os olhos, rezar
Pois seria todo o mundo, pessoa e lugar
Viver é a única oração que se pode dedicar
Se eu algum dia encontrei poesia
Foi nos desvarios, nos sorrisos torpes
Que somente vamos encontrar no baixo ventre
Nas esquinas solitárias de ruas tortas

Não há poesia que não faça curva
E vida que seja essencialmente luminosa

Ela só se dá quando cai o véu
As ruas expõem sua face nua
Onde donzelas ofertam sua carne crua
E andaimes nos mostram o céu

Homens andam atabalhoados a perder o ócio
Ocupações mil – compro ouro e outros
Ali está posta a poesia que sobrevive à ruína
Por trás da cegueira de todo o negócio

E ainda tem os meninos, pequenos saltimbancos
Brincam, brigam, pedem, assaltam
Só não se sabe se chegarão a ter idade para os bancos
Talvez, algum que seja talentoso e versado na arte da sociedade
Roubo também é propriedade.

E no meio, caminha solitário algum desajustado.
Um cigarro entre os dedos, caneta no bolso,
Sempre pronto a inutilizar alguns versos
Idéias na mente, vontades ardentes
De ver toda e qualquer poesia,
Por mais feia, bandida, ou vadia.
Mutar-se em canção inocente.

Beatriz

Esta noite, como em raras noites, sonhei
Você me apareceu, tensa e amargurada
Cabelos que indicavam tormenta e tempestade
Vontades que ultrapassavam qualquer realidade

E eu, como sempre, estupidamente desajeitado
Lancei-me sobre você e pela primeira vez
Nossas almas se tocaram, corpos se enlaçaram
Quis de modo desesperado carregar seu fardo

O amor se deu de forma limpa
Suave e denso como um rio lento
Que a ácida chuva ainda não tocou,
Não teve a ousadia de provocar

Neste dia, foi imensamente difícil acordar
E lembrar-me das tuas mãos aneladas,
Da tua fronte limpa, infantil.
Que a dureza do meu corpo pensou um dia
Poder beijar.

E agora, que te encontras mais distante
Fico a lembrar-me da alegria dos cafés
Dos cigarros que fumei parar te esperar passar
De como o doce de tuas palavras
Retiravam o veneno das minhas

E vejo que tudo que fiz, não foi nada além
De, na fumaça que se esvai, te representar
Continuo a fazê-lo, consciente
Pois pra mim, se algo é impossível
É te esquecer, Beatriz, deixar de te amar.